Caso Favela Nova Brasília versus Brasil
Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) julgou o sétimo caso envolvendo o Brasil. No caso da Favela Nova Brasília, o julgamento tratava-se de duas chacinas lá ocorridas, incluindo episódios de violência sexual.
A Favela Nova Brasília fica no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.
Em 1994, uma operação policial exterminou no local 13 homens residentes no local, sendo que quatro desses eram menores. Na ocasião também, quatro mulheres foram vítimas de violência sexual pelos policiais. Entre elas, duas eram menores.
Alguns meses depois e já em 1995, uma nova operação policial exterminou novamente 13 homens, sendo dois menores.
As vítimas foram classificadas como resistentes ao poder policial. Em 2009, o processo sobre a chacina de 1994 foi arquivado por prescrição. Reaberto em 2011, após decisão da CIDH.
O processo relativo à chacina de 1995 também foi arquivado em 2009.
Em outubro de 2011, a CIDH unificou os casos, considerando o Brasil responsável pela violação de direitos humanos, em razão das 26 vítimas e dos abusos sexuais cometidos, ocasião em que emitiu uma série de recomendações ao Brasil.
As recomendações não foram atendidas a contento e o caso foi remetido novamente a CIDH em 2015.
Na mesma sentença, condenou o Brasil pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, em relação com a obrigação de respeitar e garantir os direitos, e o dever de adotar disposições de direito interno, previstos na Convenção Americana, em detrimento dos familiares das vítimas mortas e das jovens vítimas de violência sexual. No caso dessas, também considerou haver violação dos artigos 1, 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, bem como o artigo 7 da Convenção de Belém do Pará.
A Corte fez uma série de determinações ao Estado brasileiro, incluindo a continuação ou a instauração de investigações relacionadas a ambas as chacinas, bem como ao caso de violência sexual. Também determinou a publicação da sentença, a realização de ato simbólico de reconhecimento da responsabilidade, o oferecimento de tratamento psicológico e o pagamento de indenizações, custas e gastos.
Além disso, o Tribunal determinou uma série de medidas de não repetição: metas e políticas de redução da letalidade e da violência policial no Rio de Janeiro; implementação de curso sobre atendimento a mulheres vítimas de estupro; adoção de medidas para garantir a participação de vítimas em investigações; publicação de relatório sobre mortes por intervenção policial; abolição dos termos “resistência” ou “oposição” nos registros de morte por intervenção policial; e adoção de medidas para garantir que casos em que envolvam violência policial sejam investigados por outro órgão.
O Brasil pagou a maior parte das indenizações e promoveu busca ativas dos familiares que não eram representados pelo Cejil e pelo ISER, assim como efetivou quase todas as publicações da sentença nos espaços determinados pela Corte. Processos judiciais relacionados à chacina de 1994 e aos casos de estupro estão tramitando na Justiça, graças à ação do Ministério Público do Rio de Janeiro. O inquérito relacionado à chacina de 1995 foi reaberto, mas novamente arquivado. O oferecimento de atendimento psicológico e o ato simbólico de reconhecimento ainda não foram efetivados pelo Brasil. Além disso, excetuando-se o ponto resolutivo que trata da participação das vítimas nas investigações, as demais medidas de não repetição foram pouco ou nada cumpridas pelo Estado. Pelo contrário, a polícia do Rio de Janeiro segue sendo a mais letal do país.
O procedimento de supervisão do cumprimento da sentença segue em aberto, quase quatro anos após a decisão. O único relatório de supervisão da sentença publicado pela Corte, que versa somente sobre as publicações da sentença, data de outubro de 2019.
Ainda, com a computação das vítimas pelos agentes policiais em operações, foram os dados: O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro começou a computar o número de mortes ocorridas durante operações policiais no estado em 1998. Até 2019, 19.287 pessoas foram mortas por intervenção de agentes estatais. O número anual, que era de 397 no início da série histórica, bateu o recorde no último ano com dados divulgados, quando policiais do Rio de Janeiro mataram 1.814 pessoas.
E quem são essas vítimas? Em 2019, 98,3% eram homens, mais de 1/3 deles com idade entre 18 e 29 anos, 78,5% pretos ou pardos. Uma parcela dos mortos, 6,6%, sequer havia completado a maioridade. Às mulheres, minoria dos casos de homicídio, fica reservado outro tipo de violência: são frequentemente ameaçadas, atacadas, feridas, insultadas e vítimas de violência sexual nas mãos de agentes do Estado.
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