top of page
  • Larissa Louback

Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde versus Brasil

Em 1997, 43 trabalhadores foram encontrados em condições análogas à de escravo e, em 2000, 85 trabalhadores resgatados na Fazenda Brasil Verde, no município de Sapucaia. Foi o sexto caso brasileiro analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).


Entenda o caso:


Por mais de uma década, especi

almente durante os anos 1990, homens pobres da região norte e nordeste do Brasil foram aliciados para trabalhar na Fazenda Brasil Verde, no município de Sapucaia (Pará). Lá, viviam e trabalhavam em condições precárias, em situação análoga à de escravidão. A propriedade rural é do latifundiário João Luiz Quagliato Neto, que junto com outros três irmãos comandam o Grupo Quagliato.


Uma série de denúncias de trabalhadores que conseguiram escapar da fazenda, bem como da Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram feitas ao longo dos anos. A CPT chegou a denunciar o suposto desaparecimento de dois jovens, que haviam trabalhado no local. Além disso, em 1989, 1993, 1996 e 1997, a Polícia Federal, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e outros órgãos governamentais realizaram visitas de fiscalização na propriedade. A despeito disso, a Brasil Verde continuou funcionando e utilizando-se de trabalho escravo durante todo o período. Em 2000, após dois jovens conseguirem fugir e nova denúncia ser apresentada, mais de 80 trabalhadores foram resgatados da propriedade. Os processos penais que buscavam responsabilizar os envolvidos não prosperaram, apesar das evidências.


Em novembro de 1998, antes mesmo da fiscalização que resgatou dezenas de trabalhadores, em 2000, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil/Brasil) entraram com petição na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), denunciando as violações sofridas pelos trabalhadores da Fazenda Brasil Verde, bem como o desaparecimento de dois jovens. O Estado brasileiro não respondeu às solicitações de informação da CIDH e, por isso, o órgão atendeu a pedido dos peticionários e decidiu julgar a admissibilidade e o mérito conjuntamente. Somente em outubro de 2007, o Brasil apresentou contestação, alegando não esgotamento dos recursos internos.


Em novembro de 2011, 13 anos após a apresentação da petição, a CIDH produziu relatório de admissibilidade e mérito, admitindo o caso e considerando o Brasil responsável por violações de direitos humanos, em detrimento dos trabalhadores encontrados nas fiscalizações de 1993, 1996, 1997 e 2000, bem como dos jovens desaparecidos e de seus familiares. O órgão emitiu uma série de recomendações ao Estado. Após a concessão de dez extensões de prazo, a CIDH considerou que o país não havia avançado de maneira concreta no cumprimento e resolveu remeter o caso à Corte Interamericana, em março de 2016. Considerando a data de reconhecimento da competência do Tribunal pelo Brasil (dezembro de 1998), a Comissão submeteu à Corte “as ações e omissões estatais” que ocorreram ou continuaram ocorrendo após esse marco temporal.


A Corte Interamericana admitiu parcialmente duas das exceções preliminares interpostas pelo Estado e negou as outras oito, dando prosseguimento ao julgamento. Na mesma sentença, condenou o Brasil pela violação dos direitos a não ser submetido à escravidão e ao tráfico de pessoas – “produzida no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica, em razão da posição econômica” –, ao reconhecimento da personalidade jurídica, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias judicias, à proteção da honra e da dignidade, de circulação e residência e à proteção judicial, em relação com a obrigação de respeitar e garantir os direitos, e o dever de adotar disposições de direito interno, previstos na Convenção Americana. Foram considerados vítimas, os trabalhadores encontrados nas fiscalizações de 1997 e de 2000. Em relação a um dos trabalhadores, que era menor de idade, também foram considerados violados os direitos da criança. O Tribunal não considerou violados os direitos dos jovens supostamente desaparecidos, tampouco de seus familiares.


Entre as determinações da Corte estão a condução de investigação e/ou processos penais relacionados à fiscalização de 2000, bem como o exame de eventuais irregularidades processuais e investigativas relacionadas ao caso. O Tribunal também determinou a publicação da sentença e o pagamento de indenizações, que somavam mais de US$ 4,69 milhões, em valores da época, além de custas e gastos. Por fim, a Corte determinou que fossem adotadas “as medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de Direito Internacional de escravidão e suas formas análogas”.


O Brasil pagou boa parte das indenizações e promoveu busca ativa dos trabalhadores indicados na sentença da Corte que ainda não haviam sido encontrados, assim como efetivou a publicação da sentença nos espaços determinados pela Corte. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para impedir que a prescrição seja aplicada ao delito de trabalho escravo e suas formas análogas foi apresentada por um grupo de senadores, mas sua tramitação não avançou.


Paralelamente a isso, o Ministério Público Federal (MPF) reabriu as investigações relacionadas à fiscalização de 2000 e apresentou denúncia contra o fazendeiro João Luiz Quagliato Neto e o gerente da propriedade rural na época dos fatos, Antônio Jorge Vieira, conhecido como “Toninho”. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal em janeiro de 2020, após o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) negar pedido de habeas corpus da defesa. As eventuais irregularidades processuais e investigativas não foram examinadas como determinava a sentença.

O procedimento de supervisão do cumprimento da sentença segue em aberto, mais de quatro anos após a decisão. O único relatório de supervisão da sentença publicado pela Corte data de novembro de 2019.


Quem eram as vítimas?

O roteiro seguido na fazenda cumpria à risca a “fórmula” do trabalho escravo no Brasil: homens, pobres, entre 18 e 40 anos de idade, mas às vezes mais jovens, a maioria deles negros. Recrutados por 'gatos' em estados pobres das regiões Norte e Nordeste, como Maranhão, Piauí e Tocantins, sob a promessa de salários atrativos, e levados para outros estados, como o Pará. Ao chegarem às fazendas de destino, eram informados que estavam em dívida com os proprietários das terras, por seu transporte, alimentação e hospedagem. Na maior parte dos casos, os trabalhadores tinham que adquirir tudo que necessitavam nos armazéns das propriedades, a preços elevadíssimos. Assim, acumulavam dívidas que não podiam pagar e eram obrigados a continuar trabalhando.


Como era o "trabalho"?

Eles eram acordados por um encarregado da fazenda às 3h da manhã, de maneira hostil, e tinham que percorrer longo trajeto até a plantação, muitas vezes à pé. A jornada de trabalho era de 12 horas ou mais, das seis da manhã até seis da tarde, com um descanso de meia hora para almoçar. Os trabalhadores, que cortavam 'juquira', tinham apenas os domingos como dia de descanso. Para poder receber um salário, eles tinham de cumprir uma meta de produção altíssima, designada pelos encarregados da fazenda. Como alcançá-la era difícil, muitos acabavam não ganhando nada.

Devido ao consumo de água contaminada e as más condições de trabalho, não raramente feito sob chuva, os trabalhadores adoeciam com frequência. Como o salário era recebido por produção, não tinham a opção de não ir às plantações, mesmo doentes. Lá, não havia pessoal médico, tampouco recebiam visita de profissionais das comunidades próximas. Os medicamentos, comprados pelos encarregados da fazenda, eram descontados dos salários.

Dadas as péssimas condições, muitos trabalhadores desejavam fugir da Brasil Verde, mas temiam por suas vidas, já que os encarregados portavam armas de fogo e mantinham vigilância permanente. Somado a isso, a localização isolada da fazenda, a presença de animais selvagens e as represálias aos que haviam tentado escapar impediam a concretização do desejo de fugir do local.


A Corte decidiu que, O Estado é responsável pela violação do direito a não ser submetido a escravidão e ao tráfico de pessoas, estabelecido no artigo 6.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1, 3, 5, 7, 11 e 22 do mesmo instrumento, em prejuízo dos 85 trabalhadores resgatados em 15 de março de 2000 na Fazenda Brasil Verde. Adicionalmente, em relação ao senhor Antônio Francisco da Silva, essa violação ocorreu também em relação ao artigo 19 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, por ser criança no momento dos fatos.

O Estado é responsável pela violação do artigo 6.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, produzida no marco de uma situação de discriminação estrutural histórica, em razão da posição econômica dos 85 trabalhadores identificados na sentença.

O Estado é responsável por violar as garantias judiciais de devida diligência e de prazo razoável, previstas no artigo 8.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em prejuízo dos 43 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde encontrados durante a fiscalização de 23 de abril de 1997 e que foram identificados pela Corte na sentença.

O Estado é responsável por violar o direito à proteção judicial, previsto no artigo 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação aos artigos 1.1 e 2 do mesmo instrumento em prejuízo de: a) os 43 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde encontrados durante a fiscalização de 23 de abril de 1997 e que foram identificados pela Corte no presente litígio b) os 85 trabalhadores da Fazenda Brasil Verde encontrados durante a fiscalização de 15 de março de 2000 e que foram identificados pela Corte no presente litígio. Adicionalmente, em relação ao senhor Antônio Francisco da Silva, essa violação ocorreu em relação ao artigo 19 da Convenção Americana.



25 visualizações
Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • EPCC no YouTube
  • Casa de Rui Barbosa
bottom of page