Crônicas do cotidiano: “A mentira na Política”
“A fútil ideologia dos ‘direitos do homem’ não é outra coisa senão um epitáfio sobre o túmulo de tudo aquilo que todos os Estados enterraram. A abolição da separação cidade-campo foi alcançada pelo seu colapso simultâneo. A separação trabalho-lazer foi derrotada quando o trabalho se tornou tão massivamente improdutivo e inepto (no derrogatório ‘terceiro setor’), e o lazer se tornou uma atividade econômica tediosa e fatigante” (DEBORD, Guy, “Abolir”, p. 9 e11, 1987). Esse texto foi escrito por Debord, inicialmente, como o verbete “Abolir”, da Encyclopédie des Nuisances(EdN), e editado como separata pela “Sobinfluencia Edições”, em 2021. Guy Debord é o autor de “A Sociedade do Espetáculo” (1967) e um dos principais líderes do Movimento de 1968, na França. É claro que ele está falando do que se tornou a primeira grande mentira da política nas Democracias Ocidentais ao adotarem teorias econômicas do Liberalismo e da Economia Política, que fizeram triunfar o “capitalismo selvagem”, via domínio exclusivo do mercado, na sua forma de contrarrevolução. “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, lemas da Revolução Francesa, apanágio do Iluminismo e fundamento legal da ‘igualdade civil burguesa”, foram negadas quando se fez letra morta de suas intenções. O escrito de Debord é importante na reflexão dos acontecimentos mundiais e, sobretudo, da nossa situação, quando sucessivas mentiras criam um véu perturbador sobre os destinos da democracia no Brasil, antes mesmo que a tenhamos consolidado. Ele inicia o texto evocando a definição de ABOLIR no Nouveau Dictionnaire des Synonymes Français (1874): “Se diz abolir para muitas coisas: costumes, usos, leis, etc.; ab-rogar é usado somente para leis, decretos, atos públicos sob força de lei. O não uso é suficiente para a abolição; mas é necessário um ato positivo para a ab-rogação; uma lei caída em desuso é abolida de fato, mas não pode ser ab-rogada senão por outra lei ou por uma declaração formal de autoridade”. O nosso Aurélio incorpora as mesmas definições, para ambos os termos, que cabem como luva no que está acontecendo por aqui.
O Poder Moderador era o poder exercido pelo Imperador do Brasil, na Constituição do Império. A Constituição Republicana extinguiu o poder moderador e instaurou a forma tripartite e harmônicas entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As quarteladas militares e os juristas que se dispõem a conceber estrutura jurídica a elas, várias vezes, mentindo para o povo, inventaram que as Forças Armadas, na nossa Democracia, representam esse Poder Moderador, quando na verdade não são poder, são forças subordinadas às autoridades civis dos Três Poderes, para garantir o território nacional, a lei e a ordem. Essa interpretação esdrúxula, que gera pânico, já virou verdade com atos ab-rogatórios de força (Golpes de Estado), por duas vezes, instaurando Ditaduras Formais no Brasil. Como esse tipo de golpe está em desuso por dificuldade de reconhecimento por Estados Democráticos de Direito, adotam-se novas táticas para matar a democracia: corroê-la por dentro, abolindo as boas práticas democráticas e ab-rogando-as na surdina.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regulou as relações trabalhistas no Brasil de forma, pelo menos, civilizada. O seu desuso foi abolindo a força imperativa dos tribunais e dos sindicatos de trabalhadores, até que a contrarrevolução do mercado culminou com a Reforma Trabalhista, ab-rogando as conquistas e entregando a força de trabalho à selvageria do mercado. Esse governo pôs em desuso a Legislação Ambiental, aproveitou a pandemia e foi “passando a boiada”. Desorganizou o sistema de apoio à Cultura pondo em desuso a Lei Rouanet. Começou com “menino veste azul e menina veste rosa”, tenta impingir o “homeschooling” e ab-rogar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB). E, por último, “namora” o desuso da Urna Eletrônica e deseja ab-rogar o Sistema Eleitoral.
Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa
Jornalista Profissional.
Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.
Manaus (AM), 27/5/2022.
*Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano.
Confira na obra" Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".
Veja, também, sua entrevista no Programa Comunicação em Movimento 09 do grupo de pesquisa EMERGE- https://www.youtube.com/watch?v=kpu-HtV6Jws
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