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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “A política, a técnica e a ciência como ideologia”.

Não se pode negar que existe despreparo de alguns políticos, embora se saiba, também, que “político incompetente não se cria”. Mas, o fato de muitos terem desgastado a dignificação da representação política no nosso país faz doer aos ouvidos a ladainha de senadores, de deputados de vários naipes, governadores e edis, sempre tentando justificar que estão agindo tecnicamente como se na atividade política houvesse espaço para tal, separadamente. Como todo disfarce é imperfeito, fica no ar a desfaçatez ou a ignorância, sobretudo quando se trata de mascarar como “técnicas” as ações políticas. Os que usam deste artifício transformam-se em “atores competentes”, contrariando os valores mais caros, aqueles que Kant designou como “imperativos categóricos”. Na boa política, a ética é tão importante quanto a tecnicidade que certos temas ou questões exigem diante de fatos e circunstâncias. Aí vale a pena uma visitinha à Max Weber e aos seus conceitos de ética da convicção e ética da responsabilidade, fundamentais para se entender melhor o que andam fazendo ou deixando de fazer os nossos políticos. Norberto Bobbio (1997), na obra “Os intelectuais e o poder”, p. 64, Edição Unesp, evoca Weber para dizer que “a ética da responsabilidade é própria do político realista”. Quanto a isso, parece não haver controvérsia ao tratar-se do que se espera de um bom político, daquele que não se pauta, apenas, por convicções pessoais; mas, diante daquilo que atinge à coletividade ou mesmo a outros grupos dos quais diverge, é capaz de renunciar às suas convicções e pauta-se pela responsabilidade, tendo noção precisa das consequências que suas ações podem gerar.


Quanto à relação entre a técnica, a ciência e a política no exercício da gestão pública e das práticas político- partidárias, há controvérsias. Numa visão weberiana, a ciência e a técnica incorporam-se à burocracia, que se encarrega de garantir a racionalidade, a neutralidade e a eficiência no estado burguês e nas relações jurídicas privadas, assegurando, assim, a separação entre burocracia e ideologia. E sobraria para política a discussão pública das relações de poder baseadas na doxa (opinião), na retórica para o convencimento e na ética, como balizamento da ação política efetiva. Quando olhamos a configuração desse estado burguês, de freios e contrapesos, onde a prova dos nove parece fechar a conta, as artimanhas do maligno aparecem na forma dos chamados desvios de conduta, que são constantes, que viram vício e contaminam tudo. As CPIs, quando acontecem, estão aí para mostrar esse conluio com o mal feito.


Jürgen Habermas, num ensaio datado de 1968, intitulado Técnica e ciência como “ideologia”, que dá nome à coletânea publicada pela Unesp em 2014, põe para dialogar Max Weber e Herbert Marcuse, na tentativa de superar as divergências decorrentes da matriz pensamental divergente. Habermas afirma que Marcuse demonstra “que o conceito formal de racionalidade - que Max Weber extraiu da ação racional com respeito a fins do empresário capitalista e do trabalhador industrial, bem como da pessoa jurídica abstrata e do funcionário público moderno, associando-a aos critérios da ciência e da técnica - continha implicações determinadas quanto a seu conteúdo”, o que equivale dizer: “uma forma de dominação política oculta imposta em seu nome”(p.76). O que se deduz dessa conversa é que a ciência e a técnica, por expansão, penetraram todos os sistemas sociais de ação destinados aos fins, abarcando inclusive a política; e, na visão marcuseana, a separação entre elas é insustentável e tudo que é político, no nosso mundo real, deve ser entendido, também, como científico e técnico ao mesmo tempo, portanto ideológico. Mesmo que a técnica e a ciência, enquanto forças produtivas a serviço do capital explorando a natureza e a força de trabalho humana, mudem a sua visão essencialista buscando um mundo melhor, só poderão alcançar tal objetivo através da política, isto é, da boa política. Autor: Dr.Walmir de Albuquerque Barbosa - Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 2/7/2021.

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