top of page
Buscar

Crônicas do cotidiano: “As begônias, os tanques e as vergonhas de um dia triste”

  • Walmir de Albuquerque Barbosa
  • 13 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

Thiago de Mello, no Artigo XII, do poema “Estatutos do Homem”, “decreta” que em tempos de liberdade é permitido “caminhar pelas tardes/ com uma imensa begônia na lapela”. Nós, ainda libertos, não podemos achar normal um desfile de tanques na Praça dos Três Poderes, nem pelas tardes, nem pelas manhãs. Tanques não são begônias. Fora dos desfiles militares do 7 de Setembro, se não rumam para as oficinas em busca de conserto, são provocação, ameaça!


Para entregar convites, temos “pombos-correio”, “Correio Nacional”, “estafetas”, “Oficiais de Justiça”, quando for o caso e, o mais usual de todos, o “Correio Eletrônico”. Este não tão seguro quanto às Urnas Eletrônicas, mas imediato, sobretudo quando se trata de um desfile militar “programado com antecedência”, ainda que, por motivos inconfessáveis, com o roteiro alterado repentinamente.


Tudo aconteceu no dia em que a CPI da Covid retomou as oitivas, ouvindo um tenente-coronel acusado de envolvimento na compra ilegal de vacinas; a Câmara Federal votava a PEC de interesse do Executivo visando restaurar o voto impresso; o Senado da República votava a Lei que substituirá a antiga Lei de Segurança Nacional, usada pela Ditadura para calar, intimidar e prender sem as garantias do Estado Democrático de Direito; e o STF recebia várias notícias-crime contra o Presidente da República.


Comentaristas políticos, analistas acadêmicos que circularam na mídia, políticos de oposição ao atual governo, instituições representativas da sociedade civil, incluindo pesos pesados do PIB, todos se pronunciaram na defesa das instituições ameaçadas e na condenação ao desrespeito à Constituição e às conquistas democráticas. Para completar, os grandes jornais internacionais abriram manchetes que nos colocaram perante o mundo democrático como uma nau rumo ao autoritarismo de direita, uma república de bananas, um perigo ocidental. Que tristeza!


Alguns dizem que esse é um fenômeno mundial, uma crise da identidade das democracias fazendo ressurgir a aventura do autoritarismo nas suas versões neofascistas e neonazistas. Steven Levistsky e Daniel Ziblatt, em “Como as Democracias Morrem”, tratam do nascimento e declínio de nações democráticas no mundo a partir dos anos 80 do século passado, mas focam, sobretudo, no espanto do mundo diante dos acontecimentos políticos nos Estados Unidos da América, na era Trump: “escrever este livro nos fez lembrar que a democracia norte-americana não é tão excepcional quanto às vezes acreditamos que seja. Não há nada em nossa Constituição nem em nossa cultura que nos imunize contra colapsos democráticos” (p.194). No caso brasileiro, nossa Constituição Federal de 1988 é diferente, foi didática e exaustiva, não deixando brechas ao autoritarismo, mas ele persiste. E não há dúvidas sobre os culpados disso: o patrimonialismo arraigado, que borda a nossa configuração social e o militarismo usurpador de autoridade civil para garanti-lo. O topo das Forças Armadas sempre acomodou a representação da elite patrimonialista e construiu para si uma ideologia de Estado, e isso não se alterou substancialmente. Nas frentes de luta, os soldados eram ex-escravos, cedidos pelos senhores em substituição aos filhos, estes tidos como cidadãos plenos; foi preciso uma revolta para eliminar a chibata, com a qual eram castigados os marinheiros, vindos dos estratos subalternos da sociedade.


O Ministro Aposentado do STF, Ayres Brito, em entrevista a GloboNews, lembrou que a Constituição Federal concedeu ao Supremo Tribunal Federal, que é um poder desarmado, a função de guardião da Constituição, onde reside a Alma do Estado Democrático de Direito; afastando, assim, dos que não são poder do Estado, mas detém as armas, tal possibilidade, pois não podem garantir direitos dos cidadãos e as prerrogativas dos poderes com tanques nas ruas e armas na mão. Autor: Dr.Walmir de Albuquerque Barbosa - Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 13/8/2021.

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo

Comments


Posts Em Destaque
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • EPCC no YouTube
  • Casa de Rui Barbosa
bottom of page