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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “As relações de força e seus limites”

Gostaria de escrever sobre o óbvio, mas os fatos não deixam: água das chuvas de morro abaixo, porque não fortificaram as encostas e deixaram os pobres desprotegidos nas metrópoles do nosso país; terremotos rasgando as rochas e destruindo cidades em áreas em que o povo é vítima das chamadas “Autocracias”, que se utilizam até dos fenômenos naturais para aniquilar adversários, retardando o socorro; o fogo lambendo as lavouras, a terra e as casas, no Chile, anunciando para o mundo que a crise climática não está de brincadeira; e, além de tudo, o genocídio dos Ianomami. Enquanto isso, as potências econômicas e militares do mundo brincam de desfilar “balões meteorológicos poéticos” nos céus do inimigo para provocá-lo enquanto Falcões de Guerra desovam velhos armamentos e testam novos, na guerra da Rússia com a Ucrânia, há mais de um ano. Somente isso seria suficiente para justificar o título desta crônica, surrupiado de Thomas Piketty, em “Uma breve história da igualdade” (Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2022), embora a obra não se refira, especificamente, a essas tragédias do cotidiano, e sim às desigualdades que assolam o mundo e, entre nós, viraram uma crise humana de dar dó. E para tratar da nossa crise, começo com as palavras do autor citado acima, na mesma obra, páginas 21-22: “Resumindo, há duas armadilhas simétricas a evitar: uma consiste em negligenciar o papel das lutas e das relações de força na história da igualdade; outra, ao contrário, em sacralizá-las e negligenciar a importância das oportunidades políticas e institucionais e o papel das ideias e das ideologias na sua elaboração. A resistência das elites é uma realidade incontornável nos tempos atuais (com seus bilionários transnacionais mais ricos que os Estados), no mínimo tanto quanto na época da Revolução Francesa. Tal resistência só pode ser vencida por meio de poderosas mobilizações coletivas, em momentos de crise e tensões”. O que se ouve na mídia sobre a nossa crise, pela boca dos comentaristas políticos “abalizados” e dos ventríloquos do mercado é que o Presidente da República “está dando um tiro no pé de seu governo”, “que está pilhado”, que “não desceu do palanque eleitoral”, que está “esticando a corda”, por um lado e, por outro, que está perdendo uma oportunidade para “pacificar o país dividido”, que “não é hora de criar mais problemas”, “que todos os países democráticos têm Banco Central independente”, que o governo deve “focar em políticas públicas que não tragam aumento de gastos”, que deve empenhar-se em apresentar o mais rápido possível o tal “arcabouço fiscal que acalmará o mercado”, isto é, uma carta de capitulação. Ao contrário, o embate do Presidente da República com o Banco Central não é somente pessoal, não se trata de capricho ou de uma leitura enviesada da economia política. Resulta do embate ideológico que emergiu das urnas e da “oportunidade” de ter desalojado parte do poder das forças da Direita Extremista, que recebia financiamento do Mercado para fazer o jogo sujo da aniquilação do debate político e sufocar a democracia pelo terror, ganhando em troca a preservação de privilégios, de falsos moralismos e culto ao ódio aos direitos das minorias. O Banco Central (foco de atenção da crise) é o coração do sistema financeiro e do Mercado. Por Lei, tornou-se independente, com prerrogativa de autonomia assemelhável a das Agências Reguladoras e, com isso, detém o poder de formular, conduzir e supervisionar a política econômica da União e fazer as intervenções de sua competência gerencial, que atingem o setor bancário público e privado; emitir e controlar a circulação de moeda e a paridade da mesma com as demais. Portanto, a tensão que se evidencia agora faz sentido, é parte dessa vigilância sobre o momento histórico que concedeu a este governo o direito e o dever de implementar uma nova governança. Não adianta fingir indiferença. “Economia é importante demais para ficar só na mão de economistas. É uma questão nacional” (Luiz Davidovich). Manipuladores mercantilistas, palpiteiros da mídia e economistas parceiros das ideologias da desigualdade não são donos da verdade. Entender e tomar partido nas decisões econômicas é obrigação nossa e parte importante do exercício da cidadania.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 10/02/2023. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".


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