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Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “Cabecinhas ocas e línguas ferinas”

“A gente não vai mais alimentar quem vive de migalhas!”. O que passa pela cabeça de algumas mocinhas ricas, talvez, mas, pelo menos uma delas, de muita sorte: bem nova, advogada, já exercendo um cargo importante dentro da valorosa Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que além de corporativa, acumula a função auxiliar de defensora da Constituição, a dizer em público e postar em redes sociais, uma asneira dessas? É o Brasil estúpido, xenófobo, racista e “lacrador” manifestando-se em todo o seu esplendor. Isso não é uma coisa de momento. Da mesma forma como não pode ser generalizada, quando tratamos dos brasileiros, individualmente. Até porque é difícil dizer nesse Brasil que você não tem um nordestino na família ou descendente direto de nordestino, ou é nordestino. Mesmo querendo trair a origem para livrar-se do preconceito, ao abrir a boca, a alma não nega! É por isso que tem nordestino premiado, até no Japão, como chefe cinco estrelas, em comida japonesa, coisa difícil, convenhamos, não é em “carne seca”, prato da terra de origem. E vem a “sinhazinha” e derrama sua taça de ódio em nome de um Brasil dividido, que não é de agora. Eles não se conformam, querem tudo, até a nossa dignidade. O Primeiro Imperador (que virou brasileiro por conveniência) contratou um Almirante e seus escroques ingleses para submeterem o Norte Rebelde, saqueando tudo que encontrasse pela frente como botim de guerra, mesmo tendo que violentar as mulheres e matar inocentes (já disse isso em outra crônica). O pai do Imperador, para garantir os frangos assados que escondia nas algibeiras, em seus primeiros atos régios, sequestrou pelo agravo de impostos o algodão do Maranhão, a maior commoditie da Colônia, os réditos que financiariam a Corte, instalada no Rio de Janeiro, Sudeste, de que falam as mocinhas. Saquear o Norte e o Nordeste para gastar no Sudeste já era profissão naquela época! É esse Brasil xenófobo, que ganhou o Acre da Bolívia, todo pago com o dinheiro da Borracha da Amazônia, feita com o látex da seringueira e o suor dos imigrantes nordestinos; é esse Brasil que levou o café do norte para plantar em São Paulo e com nordestinos construiu sua classe operária e o lupem de boias-frias da cana-de-açúcar. É esse Brasil que transplantou colonos do sul para o norte (filhos dos que vieram para “embranquecer a raça”), que brigavam em conflitos pela terra, permitindo que dessem início, na Ditadura, ao processo de devastação da Amazônia, ao mesmo tempo que massacrava as Ligas Camponesas do Nordeste. Brasil, que “cospe no prato em que comeu”! Que expressa o seu escárnio quando vê o Mapa do primeiro turno das Eleições pintado de vermelho (sangrando!), e se apavora. Certamente, porque lembra da Revolução Pernambucana, das Revoluções no tempo da Regência em todo o Norte e Nordeste, das vergonhosas derrotas infringidas por Canudos às tropas nacionais sanguinárias. Essas mocinhas não lembram das aulas de história do Brasil – se é que as frequentaram e, por isso, não estão à altura nem dos seus próprios heróis pátrios, como os Inconfidentes, que também nos desconheciam. Mas elas não pensam sozinhas, estão acompanhadas de todos que pensam deter a hegemonia sobre o Brasil de hoje, que é de todos nós. Pensam como os brasileiros que acham que índio não precisa de terra; que essa estória de floresta é conversa fiada de ambientalista; que a Zona Franca, com tecnologia de ponta, é a responsável pelo desemprego no sudeste; que não vê problema nenhum em conspurcar os rios com o mercúrio do garimpo ilegal; que acha que os nordestinos existem para produzir retirantes e “braços para o senhor burguês”; que são a vanguarda, e nós a barbárie da civilização. E ia esquecendo, são os mesmos que acham que as adolescentes pobres não precisam de absorvente durante a menstruação; que dar comida aos famintos que vivem nas ruas é sustentar vagabundo; que as cotas sociais destroem a meritocracia; que as mulheres precisam ser submissas; e, alguns, ainda, pensam que a terra é plana! E o mais cruel ainda, muitos deles, são até nordestinos e nortistas, vivendo aqui entre nós, tripudiando sobre os próprios irmãos.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 14/10/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".

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