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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: Epifania vivida e desejada

O termo epifania nos é mais próximo pela visão cristã de redenção, com a chegada do Salvador. E daí a alegria como sinônimo, a festa dos Santos Reis. Foi ultrapassando o sentido e chegou ao sentido pagão de manifestação efusiva, que caracteriza ou celebra uma conquista expressiva no campo material e social, mas sempre revestida da subjetividade acumulada por expectativas dos sujeitos. Depois da batalha tão árdua no campo político e do espetáculo das Eleições Democráticas no Brasil, não parece salutar revisitar o significado religioso do termo e sim, no momento, o seu sentido filosófico, que a Fenomenologia adota ao aproximá-lo do “instante” (insight), do “salto” e da “revelação”, que envolvem o processo de tomada de consciência, de reflexão e compreensão de um fenômeno, acontecimento ou estado de existência, para alcançar a “transformação”.


Tudo que está acontecendo, neste momento, poderia ser aceito como euforia dos ganhadores eleitos e descontentamento manifesto dos perdedores não eleitos, se não estivéssemos envoltos em ideologias que se digladiaram em busca da vitória. Por isso, é preciso ter tino! O “acabou” ou “o amanhã será um novo dia” precisam de interpretação. O “acabou”, na forma em que foi proferido, significa muita coisa, inclusive, um convite para a continuação da radicalidade de uma direita internacional que encontrou guarida entre os brasileiros e deu sentido ideológico e identidade política às nossas perversas elites. O “outro dia”, é uma construção racional a partir da realidade do momento que se nos apresenta em todas as suas nuances e que inclui, não restam dúvidas, as nossas crenças no Estado Democrático de Direito e as nossas paixões pela liberdade, pela igualdade e pelo respeito à dignidade do outro e que, quase soçobram, não fosse a estratégia de “guardar-se” para o instante – o momento do voto, cara a cara com a urna inviolável, e o explodir em epifania, mas como demonstração de força política que pode construir um futuro demonstrado nas ruas.


O mundo mudou, mas os problemas não foram solucionados. No caso brasileiro, tudo o que construímos após a redemocratização do país foi destroçado e restou: o decréscimo acentuado da classe trabalhadora pelo desemprego, pela perda de consciência política e pela negação de classe pregada por novos atores e instituições que ganharam as graças das classes subalternas; o crescimento de corporações de ofício de antigas “profissões liberais”, que recusaram o sindicalismo e aderiram à “pejotização”, muitas das quais se tornaram, assim, baluartes das ideologias da direita radical, pensando em sua prosperidade; “a mão invisível do mercado”, avivando ou inculcando o “consumismo” na chamada “classe média” dos ganhadores de salários igual ou acima de cinco salários mínimos, criada, auscultada e reverenciada nas pesquisas de opinião e de marketing; e a força magnética das novas tecnologias da comunicação, que ampara nas nuvens os usuários dos novos interesses do capital organizado.


“Desde o fim do século XVIII, foi ao subverter as regras estabelecidas pelos regimes em vigor que a igualdade abriu um caminho. O mesmo ocorrerá no futuro...Cada comunidade política deve ter o poder de determinar condições em busca de trocas com o restante do mundo, sem aguardar o acordo unânime de seus parceiros”(Thomas Piketty, Uma Breve História da Igualdade, p.253, 2022). Tentamos e conseguimos alguns progressos nesse sentido, todavia fraquejamos, também, várias vezes, e o retrocesso está aí a olhos vistos: fome, pobreza e precarização do trabalho.


A oportunidade que se reabre, agora, para nós, deve buscar a igualdade real, ameaçada pelo fascismo em todos os seus disfarces, aproveitando-se, como sempre, das crises do capital. Porém, não podemos esquecer que o momento nos revela a maior dificuldade: esse Brasil que se diz uno não existe, alimenta-se da violência da xenofobia intestina, que não é só geográfica, mas, também, de classe social e “identitária”, contrariando o que deve ser a verdadeira Pátria!

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 04/11/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".



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