Crônicas do cotidiano: Melancólico Milênio
Aproximava-se o novo milênio e as Instituições Multilaterais começavam a divulgar as metas traçadas sob a coordenação de cientistas renomados, cheios de otimismo. Para caracterizar bem os novos tempos, os nascidos no pós II Guerra Mundial até 1964 foram nominados como geração Baby Boomers; Geração X, nascidos entre 1965 a 1979; Geração Y, nascidos entre 1980 e 1999, também chamados de Millennials; e a Geração Z, denominação destinada, exclusivamente, aos nascidos a partir do ano 2000. Era um mundo novo que estava sendo prometido, mas a partir de um entendimento do Mundo verdadeiramente Ocidental, traço divisor entre o “eles” e o “nós”.
Não se sabe bem quem inventa essas coisas, mas elas repaginam velhos preconceitos e modos de ver o mundo ao rotularem períodos bem marcados. Boomers, refere-se a um “boom” de crianças nascidas na Europa, na América do Norte e na Austrália. Não incluía os nascidos em países do chamado “Terceiro Mundo” (do qual fazia parte o Brasil), muito pobres, em processo de descolonização ou “em desenvolvimento”, e que já forneciam “anjos para o Senhor Jesus” e “braços para o senhor burguês” (poema “Mulher Proletária”, de Jorge de Lima), independente dessas eras.
Até nessas classificações bobas, os países ricos nos excluem: é consenso entre europeus e norte-americanos que os países do Hemisfério Sul, excetuando a Austrália, não são parte do “Mundo Ocidental”; isso é o imperialismo cultural, considerar-se superior aos demais. Essa exclusão se deve ao nosso multiculturalismo, ao nosso processo civilizatório diferenciado e a outras questões que não cabe aqui enumerar.
Portanto, sabendo que os “donos do mundo”, nesse melancólico milênio, andam interessados em nossos saberes, é como se tivessem descoberto o “buraco na camada de ozônio”. A Epistemologia – ciência que estuda as ciências, também chamada de Teoria do Conhecimento, já reconhece a “Sociologia das Ausências”, que busca dar visibilidade intelectual e reconhecimento ao que esses povos tidos como “pobres e diferentes” pensam, criam e cultivam para produzir suas visões de mundo, e que ficaram de fora do conhecimento de todas as gerações pretéritas. Deve-se a Boaventura de Souza Santos, sociólogo português, o esforço científico em favor desses saberes e enquadrá-los no que denominou: Epistemologias do Sul, conhecimento que foi tido como periférico por ser dos povos que vivem abaixo do Equador – “onde não existe pecado” (lembrando: “Não existe pecado ao sul do Equador”, canção de Ruy Guerra e Chico Buarque, cantada por Ney de Matogrosso), e que pode dar sentido a esse Milênio Desvairado, de duas décadas já consumidas.
Exemplo disso foi ver desfilar pelos Sambódromos um carnaval de pretos afirmativo. Quanta cor, quanta exuberância, quanta criatividade! A pedagogia do folguedo colou-se às Epistemologias do Sul atacando o coração dos “epistemicidas”, enquanto os Orixás transformavam as Passarelas do Samba em lugares Sagrados, difundindo sua Teologia e sua Teogonia sofisticadas. Os neófitos, os interessados e os apavorados correram da sala para cozinha com o “google na mão” para saber o mínimo possível do que diziam os Enredos das Escolas de Samba, pois nunca imaginaram ser a cultura de matriz africana tão complexa; outros, ainda, continuam incrédulos. Não sei porque, talvez por uma das manhas de Exu, as TVs deram mais importância à explicação dos enredos que à exposição, deveras merecida, das “rainhas de bateria” desfilando sua “graça verdadeira”, sem necessidade de decretos ou coisas parecidas.
É claro que brincamos um pouco tomando como gancho o Carnaval, festa universal, mas que sabe ser nossa; e sabe, também, revelar algo para além da “lavagem das tensões da alma”: um saber ancestral, verdadeiramente Millennial, que nos inclui e desvela; e, antropofagicamente, pode parir um mundo menos preconceituoso para a Geração Z!
Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa | Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 29/4/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra" Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia". Veja, também, sua entrevista no Programa Comunicação em Movimento 09 do grupo de pesquisa EMERGE- https://www.youtube.com/watch?v=kpu-HtV6Jws
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