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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: "O Censo e a nova cara do Brasil".


A discussão sobre falta de previsão de recursos para a realização do atrasado Censo 2020 chegou, como previsto, ao Supremo Tribunal Federal por iniciativa do Estado do Maranhão, que pediu à Corte que obrigasse o Governo a cumprir o que determina a Constituição sobre a matéria. Sem os dados do censo, entramos numa caverna: “não posso saber o tamanho do meu rebanho e tampouco da quantidade de ovelhas desgarradas”, diz o Bom Pastor; “tenho dinheiro, quero investir mas não sei onde encontrar o meu público-alvo”, diz o Empreendedor; “sem o Censo, não posso planejar o futuro da cidade”, diz o Prefeito; como ficarão os repasses obrigatórios de recursos da União aos Estados e Municípios? E as Pesquisas Acadêmicas? E os planos de vacinação? Brincadeiras à parte, a questão é bem mais séria. A decisão de não prover o IBGE de recursos para a realização do Censo é, também, ideológica. Não se deve, apenas, às emendas parlamentares visando o próximo ano eleitoral, apesar de tudo apontar para a garantia dos recursos que alimentarão a construção de praças esportivas; chafarizes; escolas sem professores e hospitais sem recursos humanos, porque os concursos estão suspensos; todos com nomes dos pais, mães ou filhos dos políticos beneméritos, que poderão, com isso, garantir dividendos eleitorais. O Parlamento, ao não fazer constar no orçamento aprovado os recursos para o censo, além de outras coisas, impossibilitou a reivindicação do ajuste no quantitativo de parlamentares, por Estados e na Câmara Federal. Com isso, desequilibrará a representação política na próxima legislatura, burlando a cidadania e o pacto federativo, entre outros desatinos formais citados e comentados ad nauseam. Um golpe no futuro da Nação. E, ao mesmo tempo, um empurrão para o fundo poço da ignorância, tentando esconder tudo sobre a nossa formação social, em dez anos de contínuo labor. O Executivo fez as suas manobras, mas a Constituição reserva ao Congresso Nacional, como poder, três coisas fundamentais e intransferíveis: apreciar e aprovar o Orçamento da República; fiscalizar a execução orçamentária e demais atos do Executivo; elaborar e revisar as leis, portanto, foi omisso. Num país onde: as mulheres ganham empoderamento e protagonismo; os negros e pardos vêm perdendo o receio de autodeclarar-se, ato significativo para a nova cara do Brasil; as opções sexuais assumidas e as conquistas civis podem dizer com mais precisão da composição e as formas de família; o processo de concentração de renda agrava o aumento de miseráveis; a redução da classe média indica retrocesso na mobilização social; grupos religiosos ganham ou perdem visibilidade, poder político e moral sobre vastas camadas da população; a criminalidade vitimiza mais pobres e negros; milhares de crianças estão sem creche, mesmo com lei que obriga o ente público a provê-las; a falta do saneamento básico agrava a qualidade de vida dos mais pobres; as facilidades de locomoção e mobilidade alteram a ocupação dos centros urbanos e as relações entre o urbano e o rural; a revolução tecnológica e das comunicações mudou modos de vida e o cotidiano das pessoas; tudo isso poderia ser iluminado pelo censo mas, por omissão, tiram-nos o direito de termos, em tempo hábil, os dados do mesmo influindo nas plataformas eleitorais dos candidatos, a simples omissão parece “coisa feita e bem pensada”. Quem ganhará com tal procrastinação? Provavelmente, serão os portadores dos “baixos instintos”, aqueles que pregam a submissão das mulheres, o Racismo Estrutural, a xenofobia, a homofobia, a violência policial, a guerra religiosa, a perseguição às minorias e aos opositores, a falta de proteção às crianças e adolescentes, a utilização dos pobres nas manobras de poder. Ou, ainda, os que não querem ver os avanços que fizemos em muitos setores da sociedade, apesar de forças contrárias. Assim, a obrigação de fazer o Censo, mesmo restaurada pelo Supremo, trará perdas para o povo brasileiro, que tem pressa para ver a si mesmo, contabilizar as suas perdas e valorizar os ganhos civilizatórios que acumulou na última década.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa - Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 30/04/2021.

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