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Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “O Historicismo não morreu”

O que se passa na mídia, no teatro da guerra e na compreensão histórica da invasão da Ucrânia pela Rússia? Tudo parece confuso e nos divide! Múltiplos sentimentos que pareciam mortos: o ódio ao “stalinismo putiniano” ou ao imperialismo americano; o nojo ao conluio dos oligarcas russos com sócios ocidentais, mesmo torcendo por seus times; conveniências de nossos políticos espertalhões; achismo palpiteiro de comentaristas de ocasião; e a compreensível ignorância histórica de coisas tão complicadas, que dificultam o entendimento do cotidiano da guerra. Uma coisa é certa: a guerra está acontecendo, muitos estão morrendo e grande é a multidão de refugiados, de estrangeiros voltando a seus países e outros encontrando dificuldades para deixar a área de perigo pela condição da cor ou da “raça”, vítimas dos desumanos e racistas, em todos os lugares do mundo.

Na mídia, além de sua tarefa de noticiar 24 horas por dia, algumas coisas nos chamam a atenção: a cobertura da guerra é feita pelas bordas, isto é, na fronteira dos acontecimentos, nos organismos multilaterais e focando nas repercussões internas de cada país. Parece ser uma guera diferente, coisa que a imprensa não acreditava, a ponto de não se ter preparado; um “iminente” adiado. Bem diferente da cobertura da Pandemia do Covid 19, quando a mídia estabelecida rapidamente foi buscar os Epidemiologistas e Imunologistas, além de outras especialidades em saúde para ocuparem os espaços discursivos de interlocução direta e permanente com os ouvintes, telespectadores, leitores e a bater de frente com as fake news, que invadiram as redes sociais.

Agora, os mesmos espaços foram tomados por Professores de Relações Internacionais, bem pragmáticos e pouco conhecidos fora de seus círculos de atuação e, aqui e acolá, por alguns ex-diplomatas, aposentados e descompromissados com as obrigações de “silêncio de estado”, para comentários sobre a Diplomacia e a “Realpolitik”. Paralelo a isso, os comentaristas econômico “tocam o terror”, seja com a subida do dólar e caída da bolsa, sanções, aumento dos combustíveis, do milho e do trigo do pãozinho francês ou entrevistando os oportunistas do famoso “mercado”, esse ente demiurgo abstrato e genérico, que paira sobre nossas cabeças. Procuram-se os Historiadores! Exceto os que renunciaram à Cátedra e ocuparam um pequeno nicho de competência nas redes sociais, foram poucos os que vieram à grande mídia para dar a versão da História aos acontecimentos. Na ausência deles, prevalece a versão dos Títeres, coisa do mais crasso Historicismo em suas acepções genética e metafísica, que remontam ao século XVIII e alcançam, grosseiramente, a versão Hegeliana: que confere ao Estado a condição de guardião do espírito do povo e do espírito do tempo; doutrina, que levada ao extremo, namora com os autocratas e faz deles até ditadores sanguinários, tudo em nome do nacionalismo e do progresso. É claro que não queremos chegar à “Segunda Consideração Intempestiva: da utilidade e da desvantagem da história para a vida”, de Friedrich Nietzsche (Relume Dumará, 2003), um libelo contra esse Historicismo a que ele chamou de “excesso de história”. A Ciência Histórica já contornou essas arestas e sabe bem que acontecimentos tão graves, com os quais nos defrontamos, exigem uma visão interdisciplinar acurada e uma ação pedagógica capaz de fazer entender a todos que não estamos vivendo, apenas, o ocaso das velhas ideologias que teimam em se auto rebatizar de “Guerra Fria zero ponto dois”, em busca de acomodação. Oxalá o sofrimento imposto pelos poderosos não seja a consequência natural dos determinismos, do Fim da História sob bombas, mas o fim da indigência do bom senso, e quem sabe, se transforme em “epifania” de um verdadeiro Mundo Novo!

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa

Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas.

Manaus (AM), 4/3/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra" Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia". Veja, também, sua entrevista no Programa Comunicação em Movimento 09 do grupo de pesquisa EMERGE- https://www.youtube.com/watch?v=kpu-HtV6Jws




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