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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “O Senhor Mercado”

Sou um homem do meu tempo, como muitos dizem. Mas ponha tempo nisso, ainda bem! Já vi muita coisa, mas tenho poucas certezas sobre o tudo que vi e o que vejo. O meu cesto de dúvidas começa por coisas tão comezinhas como por exemplo: é possível comer manga estando com febre e não morrer? E o sereno?! Essa eterna dúvida que a cada dia vai se complicando mais, na medida em que os cabelos vão caindo, a careca aparece e um pingo de sereno pode ser fatal e escorrendo pelo rosto, é resfriado na certa! A ciência evoluiu tanto ou foi a minha ignorância que persistiu, mesmo depois do Google? Aliás, as redes sociais, há cada dia, estão menos confiáveis, e a mais nova delas, aparecida em público na semana que passou, é hilária no seu duplo sentido. Seguindo esse mesmo diapasão, as plataformas de armazenamento de dados e informação estão mais enamoradas dos algoritmos que da veracidade e segurança do que guardam e distribuem.

O enigma do momento é a compreensão devida do que vem a ser esse ente perturbador que inunda a mídia e a cabeça das pessoas, a tal ponto que um amigo meu “consultou-me” sobre bons investimentos. Estava muito temeroso de perder o que ganhou com uma parcela de um “precatório”, depois de quase 15 anos de luta na justiça. O sobe e desce do dólar e da bolsa de valores, as “cartas” e a rebeldia do mercado o deixaram confuso. Sabendo que sou um cara equilibrado e não lhe pediria um empréstimo, pediu-me conselho. Com minhas dúvidas, mas não querendo perder o que adquiri, inclusive os amigos, não me fiz de rogado e num último esforço de lucidez e análise de conjuntura (e confesso, um pouco preocupado com o “psicológico” do amigo), aconselhei-o a fugir da Caderneta Poupança, o que pessoas de nossa idade ainda lembram bem: “aplique a maior parte no Tesouro Direto, como aconselha um rapaz barbudo que aparece na TV se dizendo consultor financeiro; faça uma filantropia confiável com uma parte; e pegue o resto de sua pequena fortuna e divirta-se, com moderação, e esse não será mais um prolema seu ou da sua consciência”. Se o “mercado” continuar assim incrédulo, apavorado e desastrado, ainda sobrará alguma coisa e o meu conselho não terá sido em vão. Só não disse para ele, naquele momento crucial, e não diria para ninguém além de vocês, por dever de ofício, que se dão ao trabalho de ler minhas crônicas, que não acredito no “mercado”, no “teto de gastos” e nessa tal “responsabilidade fiscal”; e nem na transparência do “orçamento secreto”. Essas coisas, tanto quanto comer manga com febre e sereno, vêm se acumulando no rol das minhas ignorâncias preferidas, que só incomodam por se tornarem “chicletes” na memória recente. O “Senhor Mercado”, por exemplo, nos limites da ignorância caseira, não é somente meu, virou obsessão e preocupação do nosso “Jornalismo Cansado”, parafraseando uma colega de mídia, ao se referir a uma geração inteira do jornalismo e do entretenimento televisivo brasileiro, que está voltando para casa, herdeira, na maioria, das teorias do liberalismo econômico de Adam Smith (1723-1790).

Nos ensinaram, nos anos 60 e 70, que “a mão invisível do mercado é a chave para a riqueza das Nações”. Só não deixaram claro que a nação entregue ao “mercado”, ao “teto de gastos” e à “responsabilidade fiscal”, tal como são apregoados pelos economistas tecnocratas e comentaristas econômicos das mídias, só interessa a esse “1% dos brasileiros, considerado mais rico, ganhando 35 vezes a renda dos 50% mais pobre”. Esses números podem ser ainda piores, devido as circunstâncias precárias nas quais foram colhidos pelo IBGE, em 2021. Além do mais, são ferramentas de controle fiscal, criadas para um mundo e para uma economia não globalizada, volátil e neoliberal, como a do nosso século. Moral da história: coisa de cretinos, que controlam a fluidez do mercado financeiro; cansaço e despreparo de jornalistas que seguem orientações de suas fontes viciadas e comprometidas com os rentistas; estratégia de economistas que escrevem cartas e nos “escritórios” administram os fundos financeiros de famílias poderosas; e, assim, o conjunto da obra faz a alegria dos financiadores da grande mídia, esse motor grandioso que instrumentaliza o poder simbólico das opiniões e ações concretas, rumo a uma sociedade sempre desigual.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 25/11/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".




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