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Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: Quando o demasiadamente humano atrapalha

O que está sobre o mundo torna-se propriedade humana ao aceitarmos uma “certa” ciência que prega a “verdade”: somos superiores e submetemos a natureza aos nossos desígnios. A verdadeira ciência exige refutabilidade para seus achados. Isso é gratuito? Não! Queimar floresta e destruir o meio ambiente encontra respaldo nesse tipo de pensamento. Quando a exacerbação da fé instituiu dogmas para que, simplesmente, seus princípios não sejam contestados, tem início o descrédito das grandes narrativas religiosas. Mas, isso respalda, também, práticas que justificam: a pseudo inferioridade da mulher, a condenação de tipos familiares não canônicos, dentre outros. Da mesma forma que algumas imposições dogmáticas justificam medidas punitivas e preconceituosas, a crença no domínio absoluto da ciência sobre a natureza, esquece que esta tem os seus modos de reação, que só surpreendem aos incautos e aos de má-fé. A convivência humana é historicamente construída no processo dialético de relações dos homens entre si e com a natureza, no modo o qual a mesma se lhes apresenta. Negar isso, é ser “demasiadamente humano”!


É “demasiadamente humano” apegar-se às forças externas que parecem nos dar “segurança” e “verdades”; temos dificuldades em superar a dependência à má ciência, às religiões invasivas; e até mesmo às ideologias, sejam estas bem articuladas ou “tronchas”, pobres de verossimilhança. O desfile de fatos do cotidiano estão a comprovar tais coisas: promessa de um mundo perfeito; escola sem partido; um corpo escultural, feito por charlatões da estética; curas milagrosas; “rentismo” na bolsa de valores, com “parcelas aprovadas de consignado”; assaltos a mão armada devido às facilidades dadas poder público para a compra de armas e munições; e as mortes por motivo torpe e fútil. Ainda bem que as mocinhas não acreditam mais nas “leitoras de mão”, que liam a mão e, para agradá-las, diziam: “essa linha aqui indica que logo, logo, vai aparecer um homem de farda na sua vida”. Mesmo assim tem gente velha que ainda acredita nisso e faz besteira, sem ser mocinha nem mulher, necessariamente.


As vozes que encantam, difundem e lideram com ideias e promessas estão presentes nessa história construída pelos seres humanos, com acertos e enganos. Mesmo nas sociedades “arrumadinhas”, elas ainda aparecem nas formas de falsos profetas, de arautos da moral ou falsos líderes políticos. Mas não resta dúvida que, naquelas onde, desde o início, se privilegiou a vilania, as diferenças sociais, o culto à subalternidade, foi mais fácil fazer prosperar o preconceito, a pobreza, a dominação exagerada e essa maneira vil de aproveitar-se do outro o mais possível e que se traduz, no caso brasileiro, numa cultura do ódio, escondido no coração, não só da elite: ódio aos pobres (aporofobia); ódios às mulheres (misogenia); ódio aos não brancos, sobretudo, aos negros e índios (racismo); ódio aos LGBTQIA+ (homofobia); ódio aos que pensam diferente (intolerância intelectual); ódio a jornalistas e professores (caguetismo); e tantos outros tipos de ódio, que nos colocam no pedestal da perversidade universal contra os direitos humanos.


As grandes questões são: onde estão os que não compactuam com tudo isso? Os que cultuam seus deuses sem jogar pedras nos deuses dos outros? Os que acreditam que a ciência pode nos ajudar a compreender melhor as coisas do mundo? Os que não aceitam a violência como natural? Os que não acreditam em falsas promessas? Os que controlam os seus preconceitos, se os têm? Aqueles que abominam a injustiça? Estão escondidos sob a alcunha do “Brasileiro Cordial”, dissecado, em parte, por Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil!

Em uma nação democrática, os eleitores vão às urnas dizer o que preferem com o voto nos que irão representá-los. Isso não lhes dá um cheque em branco para demolir o patrimônio civilizatório social, politico, econômico e cultural que sobrou depois de excluir todos os enganos e que pertence aos ganhadores e vencidos naquele momento da história social de um povo.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 22/7/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".

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