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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “Salvacionismo Elitista”

A expressão popular, muito corrente, de que “aquilo que é bom a gente repete” está sendo usada para justificar aqui o uso, novamente, da obra de Luiz Felipe Miguel, “Democracia na Periferia Capitalista: impasses do Brasil”. O autor citado, no capítulo inicial da obra, em aula magna de Ciência Política, nos apresenta o escopo teórico da sua tese sobre o atual momento político brasileiro; e, numa das passagens dessa construção, toma emprestado de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt a expressão “salvacionismo elitista”, a qual uso como título desta crônica. Pareceu-me cair como uma luva quando tratamos das propostas dos candidatos que circulam no atual período eleitoral. Além do mais, ela parece conter um ar de síntese após a demolição feita pelo neoliberalismo puro do “estatismo autoritário”, expressão cunhada por Nicos Poulantzas, que assim caracterizou o modelo econômico das democracias da segunda metade do século XX.


Numa visão rasteira, tudo parece se resolver em tais propostas: as elites brasileiras estariam incomodadas e buscam a salvação de seu patrimônio pela conciliação com os interesses dos grupos sociais emergentes que ganharam prestígio com a abertura das relações sociais e das redes sociais; que embarcaram no consumismo, que deu visibilidade a grupos outrora marginalizados pelo conservadorismo de costumes; como do identitarismo, empoderado pelo prestígio de alguns ideólogos e da força cultural agregada a esses grupos, o que pode desdobrar-se em novas cadeias produtivas e de bens de consumo; com o empreendedorismo originador do “pseudonovorriquismo” e do empreendedorismo bem-sucedido, que, também, encontra correspondência com as teologias da prosperidade.


Os candidatos, apresentados por partidos políticos que se tornaram irresponsáveis e enveredaram pelo populismo conciliador, seja de direita ou de esquerda, na tentativa de sequestrar para a esfera de seus interesses o Estado de Direito de feição liberal, fingem desconhecer o abismo que separa o “povo” das verdadeiras Elites do país. Mas, eles mesmos, num oportunismo de fazer gosto, se colocam a serviço do jogo e do confronto, que agrada sempre aos poderosos. Tentar incluir na elite ou em parte dela os oriundos dos grupos emergentes enumerados acima é disfarçar o conhecimento da historicidade da Elite Brasileira: ela é secular, é restrita, fechada, patrimonialista, preconceituosa, insensível às relações sociais abertas que extrapolem os limites da exploração dos que lhes interessam e intelectualmente convencida, por si mesma e por seus intelectuais orgânicos, de que é guardiã dos melhores valores, por mais que se conheça a origem escusa de seu processo de acumulação e do seu “pecado original”. Tem nome e sobrenome, embora de poucos conhecido. Portanto, o seu maior patrimônio é deter as rédeas da Economia, da Política, das Instituições do Estado e da Nação. Por aí, podemos ver e sentir que aqueles que não são os detentores desses poderes não podem se dizer parte da Elite e, se assim se arvorarem, cometem o autoengano.


A esquerda, por seu lado, reconhece que não pode mais “acessar a luta de classes” e fazer valer suas propostas; recorre, então, a superação da miséria e da pobreza para integrar milhões de pessoas ao consumo, o que faz a alegria das elites econômicas, em parte; a direita, por sua vez, recorre à “corrupção dos bons costumes” pelos demônios que pervertem as almas puras e podem levá-las à tentação do comunismo. O “tudo ou nada” encontra eco nos meios de comunicação, em parte, desregulamentados face às novas tecnologias, e em outra parte, na mídia tradicional aturdida, que não sabe mais como atender aos seus públicos, que se evadem em busca de outros mentores. Apelar ao “povo” é sempre coisa de autoritarismo, muito usado pelo populismo. Contudo, algo precisa ser feito para por cobro à perversidade das elites, que pensam que podem tudo!


Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 26/8/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".

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