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Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: Um país de “mão única”

Coisas da internet, para se acreditar ou não, tiveram grande repercussão, além da insistência dos revoltados, encantonados juntos aos muros dos quartéis, clamando por “golpe de estado”. A primeira é um meme, mostra uma jovem senhora comunicando que Lula anunciara o nome de Paulo Freire para ser o seu Ministro da Educação no mandato para o qual acabara de ser eleito. Diante disso, indignada, diz que está indo para as ruas protestar e convida a todos para que façam o mesmo, porque ninguém pode permitir que o “comunismo” se instaure no país. A segunda, não é meme, mas uma notícia sobre a postura do pároco de uma Igreja Católica, na cidade de Goiânia, que, antes de iniciar a celebração da missa, pede a todos os que votaram em Lula que se retirem da Igreja, pois são indignos de participar do ato religioso. Segue-se uma discussão, o padre se despe dos paramentos, deixa-os sobre o altar e retira-se do templo. Depois de “curtir” os posts, fiquei a pensar comigo mesmo sobre Paulo Freire, que tive a felicidade de conhecer pessoalmente, e no Padre Onias Bento, que também conheci, convivi, fui aluno, colega de trabalho e tive com ele alguns momentos bem amigáveis, e por quem guardo, até hoje, admiração; e tal qual Paulo Freire, já falecido. E de onde vem essa história de país de “mão única”, que dá título a essa crônica? O cronista é autor sem muitos compromissos com a exatidão, as ideias vão aparecendo entre as brumas até firmarem-se em palavras no papel. O título não é só meu, surrupiei-o, em parte, de Walter Benjamin, com atrevimento, mas, também, para lembrar esse ser luminoso, intelectual e humanista, capaz de dizer coisas assim, ao comparar a sua existência no mundo adulto com sua primeira vez no “Carrossel” do parque de diversão, que medrosamente experimentara, levado pela mãe: “há muito tempo que o eterno retorno de todas as coisas se fez sabedoria de criança, e a vida uma embriaguez de dominação primordial, com o realejo ensurdecedor ao centro, como tesouro da coroa” (“Rua de Mão única: infância berlinense: 1900”. Autêntica, p.115, 2013). A criança de Benjamin tem medo, mas o encanto do carrossel e o amparo da mãe a encoraja para a aventura. Essa mãe ou nossos mentores intelectuais, quando nos tornamos adultos, são substituídos por nossas convicções, por nossas ideologias. O padre Onias era o pároco de uma comunidade, das mais humildes de Manaus, por volta de 1962 ou 63, anos que antecederam à Ditadura e à Zona Franca de Manaus. Eu, estudante em um colégio comprometido com a Nova Escola e com os ideais democráticos. Com outros colegas do nosso grêmio estudantil, associamo-nos ao projeto de Alfabetização de Adultos do Bairro de São Francisco, um aglomerado de moradores migrados para a cidade e vivendo em palhoças, em ruas de chão batido e esgotos a céu aberto. E lá fomos nós ajudar o padre, de casa em casa, a convidar e convencer os Homens e Mulheres a participarem do primeiro curso de alfabetização usando o “Método Paulo Freire”, a ser ministrado no Salão Paroquial. Logo em seguida veio a Ditadura e acabou com tudo; Paulo Freire foi preso, seu método e suas práticas educativas proscritas; a Igreja Católica retornou ao conservadorismo tenebroso, o padre perdeu a paróquia e o ânimo eclesiástico; e eu cresci. O carrossel da vida continuou rodando e tocando a cantilena ideológica da desigualdade, mãe do analfabetismo funcional e político. E como em Benjamim, o carrossel roda novamente. Já morando em São Paulo, por volta de 1985, escrevendo a minha tese de doutorado e, por uma dessas coisas que só o destino explica, semanalmente, da janela do meu apartamento, em frente à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), voltei a ver Paulo Freire, magro, barbudo, bem mais velho, sempre de pé, quatro horas seguidas, depois de tantas perseguições, cumprindo o seu mister. Era como se ouvisse o realejo, mesmo não estando naquela sala de aula: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”!. Ao recusar essa sabedoria simples de Paulo Freire, que parece de criança, o Brasil segue, ainda, nessa rua de mão única da desigualdade e da intolerância. Não vai ser ministro, minha senhora, mas continuará patrono e mentor dos educadores brasileiros!

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 11/11/2022. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".



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