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Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “Yes, nós temos bananas!”

O tempo histórico não é contado por dias, horas e minutos, mas por um conjunto de acontecimentos que nos permitem avaliar as “constantes” e as “variáveis” que apontam para um novo tempo. O turbilhão de fatos nos quais fomos envolvidos, ainda não nos permite avaliar a direção das coisas da vida sociopolítica e econômica do Brasil. Contudo, algumas coisas podem ser apontadas com certo grau de certeza: as constantes, questões estruturais da nossa formação histórica, estão escancaradas e, dentre elas, a face cruel do “golpismo militar de conivência civil” e o “Queremismo”, orquestrados pela direita e pelas elites econômicas, eufemisticamente nominadas de “Mercado”, por um lado; e, por outro, pelas variáveis da esperança, que ora se sobrepuseram, garantindo nossa frágil democracia. O novo ano começa e muito temos a fazer, sobretudo, sair da perplexidade para a reflexão e dela para a ação objetiva, buscando o bem, o justo, o ético e o verdadeiro. Estamos vivos, segurando, com luvas de pelica, nossas Instituições! “Yes, nós temos bananas/Bananas para dar e vender/Banana menina, tem vitamina/Banana engorda e faz crescer”. Consta que os compositores brasileiros Alberto Ribeiro e João de Barro (Braguinha) resolveram responder à arrogância dos norte-americanos Frank Silver e Irvining Cohn na canção intitulada “Yes! We have no bananas”, que impingia ao Brasil o cognome de “República das Bananas”. Deram o troco: no carnaval de 1938, cantada por Almirante, depois, por Carmen Miranda, “Yes, nós temos bananas”, fez enorme sucesso. Regravada mais tarde por Caetano Veloso, Beth Carvalho e outros, a marchinha de carnaval ganhou notoriedade no mundo e chegou até nós. É vista como uma sátira possível ao que acontecia no país, poucos meses após o Golpe que instaurou o Estado Novo, com o apoio das forças militares. Getúlio namorava o nazifascismo e contava com os Integralistas, fascistas tupiniquins, que arregimentavam as massas, orquestrando loas à extrema direita. A II Grande Guerra, por contingências outras, leva-nos para os braços dos Aliados, mas o nosso “fascismo estrutural” não desaparece, se enruste nas instituições e permanece até hoje. Enquanto isso ocorria, os Estados Unidos buscavam consolidar sua hegemonia capitalista nas Américas e, para desfazer mal-entendidos, trazem nesse pacote a ressignificação de nossos traços culturais pela indústria cultural nascente: Carmen Miranda vai para Hollywood, nasce o “Zé Carioca”, a indústria do cinema e da discografia agita e domina o mercado da produção cultural; e a classe média brasileira se esbalda no consumismo e assimila os “caros valores” do conservadorismo americano e o falso padrão moral de vida, nos anos cinquenta. Contrariando a música do Braguinha e Alberto Ribeiro, a República escorrega nas cascas de banana e cai em 1964, outra vez, na Ditadura Militar por cerca de 20 anos. Eis que os fantasmas fascistas enrustidos emergem novamente e, 40 anos após a redemocratização, o mesmo pavor e o mesmo método, perturbam as instituições, o Estado Democrático de Direito, com mais sofisticação e audácia: “Yes, nós temos bananas…”, mas não são mais as inocentes frutas da canção de 38, são “Bananas de Dinamite”, que “terroristas” aprendem a montar nos acampamentos em frente aos Quartéis, ao som de cantos patrióticos e da conivência de autoridades constituídas. Usando essa mesma canção, o antropólogo Roberto DaMatta comenta: “somos o país da banana, conforme lembra a música, da crise permanentemente enfrentada pelo prisma carnavalesco do populismo, da amoralidade, da propaganda e da mendacidade” (Estado de S.Paulo,04/03/2009). “Vamos virar a página”, “vamos relevar” e seguir adiante, dizem alguns depois da Intentona, tanto autoridades ministeriais quanto comentaristas da grande mídia. Isso dói na alma. Não! Se assim ocorrer, seremos coniventes com o próximo Golpe.

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 27/01/2023. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra "Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia".


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