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  • Walmir de Albuquerque Barbosa

Crônicas do cotidiano: “É proibido atirar pedras no Papai Noel”

Não se deve apedrejar ninguém, mesmo em nome dos mais sagrados princípios religiosos, desde o dia que Jesus disse: “quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra”(Jo, 8, 1-11) e, mais recentemente, a paráfrase “atire a primeira pedra, ai, ai, ai, aquele que não sofreu por amor”, verso do samba canção “Atire a Primeira Pedra”, letra de Mario Lago e Composição de Ataulfo Alves, gravada em 1943. O que eu quero dizer mesmo é que não se deve atirar pedras no Papai Noel porque ele é um trabalhador.

Trabalhador branco, é verdade! Os que o contratam dizem que não é por racismo, é porque pessoa de outra cor “não combinaria com a história do Bom Velhinho”, que mora no Polo Norte e todos por lá são brancos. Sei não! No Polo Norte, vivem Esquimós, que não são brancos e outros ameríndios como os nossos que, também, não são contratados para a função. A seleção é rigorosa e há profissionais que fizeram curso e tudo para chegar lá, mas, além disso, conta a “boa aparência”, que deve ficar por baixo da barba branca, da barriga grande, das polainas e do roupão vermelho; e na cabeça dos contratantes.


Para escrever essa crônica dei-me a pachorra de passar um bom tempo observando o trabalho de um Papai Noel no Shopping Center, não para lembrar-me dos tempos de criança. No meu tempo, já existia o concurso do “Bebê Johnson”, patrocinado pela multinacional americana associada ao Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), um antecessor remoto do SUS, desde os tempos dos Aliados da II Guerra Mundial, em 1942. Ainda não haviam popularizado o Papai Noel, apesar de dizerem que sua história remonta ao ano 1881, pelo menos com essa roupagem e com esse encargo de auxiliar da sociedade de consumo.


E já estava pensando em ir embora quando aproximou-se do Papai Noel uma família, até jovem, composta de um casal (homem e mulher) e duas crianças. O pai vestia uma camisa da Seleção Brasileira de um verde-amarelo intenso e, de repente, ao presenciar a cena, deu-me aquela “leseira” de imaginar uma série de paradoxos: o que aconteceria se o Papai Noel, sendo um trabalhador, todo vestido de vermelho, em vez de fazer Ho!, Ho! Ho!.., começasse a cantar, bem alto, com voz de barítono, a Internacional? E se o Papai Noel fosse preto, será que as crianças brasileiras sentariam no seu colo sem medo, da mesma forma que aceitavam as carícias e o leite das Mães Pretas? E se os Papais-noéis resolvessem protestar contra a exploração do trabalho de idosos e dissessem a cada criança que sentasse em seu colo que ele, “papai noel”, é uma brincadeira de mau gosto e quem compra o presente de Natal, quando tem dinheiro ou crédito, é o papai ou a mamãe?


Balancei a cabeça, achei-me um pouco ridículo; parecia acordar de um sonho maluco. Olhei para os corredores e vi a multidão avançando ao som de uma banda de música, que desfilava anunciando as delícias do Natal. Tudo era festa, e eu ali perdendo tempo com minhas ideologias extemporâneas. Peguei a bengala, levantei do banco e tomei o rumo de uma livraria, infelizmente, em estado falimentar. Nada encontrei do que queria, o presente de Papai Noel, que daria a mim mesmo. Voltei para casa decidido a pedir aos “meninos” que me ajudassem a fazer a compra dos livros pela internet. Choque de gerações? Não! Apenas, a ordem das coisas.


Gilles Lipovetsky, em “Da Leveza” (2016), nos lembra que o “gênio humano” nunca deixou de inventar festas “destinadas a exorcizar o infortúnio e as dificuldades”. Os tempos são difíceis, mas ainda temos sonhos, ainda guardamos as esperanças em um mundo melhor e agimos, como podemos, nessa direção, isso é o que importa. Feliz Natal e Ano Novo para todos nós!

Autor: Dr. Walmir de Albuquerque Barbosa Jornalista Profissional. Professor Emérito e ex-reitor da Universidade Federal do Amazonas. Manaus (AM), 26/11/2021. *Toda sexta-feira publica no site EPCC suas Crônicas do cotidiano. Confira na obra" Trajetórias culturais e arranjos midiáticos" (2021) seu capítulo "Comunicação, Cultura e Informação: um certo curso de jornalismo e vozes caladas na Amazônia". Veja, também, sua entrevista no Programa Comunicação em Movimento 09 do grupo de pesquisa EMERGE- https://www.youtube.com/watch?v=kpu-HtV6Jws

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